Nota técnica: cigarrinha-do-milho e o complexo de enfezamentos

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Considerando a alta incidência do complexo de enfezamentos nos milharais de Santa Catarina na safra 2020/21, e da cigarrinha-do-milho Dalbulus maidis (DeLong & Wolcott) (Hemiptera: Cicadellidae), espécie-praga vetora dos patógenos causadores do complexo de enfezamentos, a Epagri manifesta publicamente sua preocupação, conceitualiza o problema, discorre sobre possíveis impactos imediatos e nas safras vindouras e orienta sobre as possíveis medidas de manejo a serem adotadas.

Os enfezamentos do milho são um complexo de doenças que inclui o enfezamento- vermelho, o enfezamento-pálido e a virose-da-risca. Existem, portanto, três fitopatógenos desse complexo: o fitoplasma (Maize bushy stunt phytoplasma), agente causal do enfezamento-vermelho, o espiroplasma (Spiroplasma kunkelii), agente causal do enfezamento-pálido, e o vírus-do-rayado-fino ou vírus-da-risca (Maize rayado fino virus – MRFV), agente causal da virose-da-risca. O fitoplasma e o espiroplasma são bactérias sem parede celular, habitantes de floema das plantas.

As plantas com enfezamento-vermelho exibem sintomas de avermelhamento nas folhas, acompanhado ou não de amarelecimento ou clorose. Pode haver redução de crescimento e encurtamento de entrenós, proliferação de espigas, malformação de espigas, com falhas na fecundação e no enchimento dos grãos. Estes sintomas podem ser mais ou menos severos dependendo do genótipo de milho, da quantidade de inóculo presente e das condições ambientais. O sintoma típico do enfezamento- pálido são as estrias cloróticas que se manifestam entre as nervuras do limbo foliar, normalmente a partir da base da folha. A planta também pode exibir amarelecimento, encurtamento de entrenós (nanismo) e proliferação e malformação de espigas. Quando infectadas pelo enfezamento-vermelho ou pelo enfezamento-pálido, as plantas de milho podem mostrar sintomas 30 dias após a infecção, mas, normalmente, os sintomas em campo são mais evidentes a partir da fase de pendoamento. A virose-da-risca, por sua vez, se manifesta em qualquer fase da cultura, e os sintomas, que são mais evidentes quando observados contra a luz, são

pequenas pontuações cloróticas quase que equidistantes umas das outras ao longo do limbo foliar, paralelas às nervuras da folha.

As doenças que compõem o complexo de enfezamentos estão relatadas no Brasil desde a década de 1970, mas ao longo dos anos têm aumentado sua importância devido ao aumento da incidência a partir dos anos 1980, quando houve o aumento de cultivos e expansão do milho safrinha, que proporcionou a continuidade de lavouras de milho por mais tempo no ano agrícola. Isso resultou em garantia de presença de inóculo das doenças e de condições para a sobrevivência da cigarrinha-do-milho em campo, o que se constitui em uma ponte-verde tanto para os patógenos quanto para o inseto vetor.

A cigarrinha-do-milho é um inseto pequeno de cor branco-palha, que mede em torno de 4 mm de comprimento, e que tem duas manchas negras entre os olhos compostos. O inseto é especialista em milho, ou seja, tem preferência por se alimentar em plantas da espécie Zea mays, e não apresenta outro hospedeiro no qual seu ciclo de vida se completa em todas as suas fases, desde ovo, passando pelos 4 ou 5 estágios ninfais até a fase adulta. A cigarrinha adulta se abriga, preferencialmente, nas folhas do cartucho do milho, onde ficam protegidas e se alimentam inserindo seu aparelho bucal no tecido da planta. Os danos em decorrência de sua alimentação são irrisórios, mas D. maidis é o inseto-vetor dos três patógenos causadores dos enfezamentos, ou seja, ela atua como agente transmissor das bactérias e do vírus. A transmissão envolve a aquisição desses microrganismos a partir de uma planta infectada na ocasião da alimentação, o transporte desses patógenos até uma planta sadia e a inoculação da planta também durante a alimentação. A aquisição e a inoculação podem ocorrem em aproximadamente 2 h e existe um período latente entre a aquisição e a capacidade de inoculação de aproximadamente 20 dias. Esses períodos são variáveis de acordo com o patógeno e da temperatura. A relação inseto-patógenos é persistente-propagativa, ou seja, os microrganismos circulam e se propagam no corpo do inseto-vetor, e isso resulta na infectividade do inseto por todo o seu ciclo de vida, que é de aproximadamente 50 dias. O ciclo médio de ovo a adulto é de aproximadamente 25 dias. A possibilidade de transmissão desses fitopatógenos para a progênie de D. maidis é inexistente.

A cigarrinha tem preferência pelos estádios iniciais da cultura do milho, e por conferir uma capacidade de migração muito alta, ela abandona cultivos em senescência ou em fase final para colonizar novos plantios. Se a população de cigarrinhas migrantes apresenta indivíduos infectivos, ou seja, portando os patógenos dos enfezamentos, ela pode se dispersar causando um surto na lavoura ou na região geográfica. As fases mais críticas para a cultura, neste sentido, são entre a emergência e V6 – V10, quando as plantas são atrativas para novas populações de insetos que podem estar trazendo os patógenos para o cultivo, proporcionando uma disseminação primária precoce na lavoura.

Para o manejo da cigarrinha-do-milho e do complexo de enfezamentos, faz-se necessária a adoção do manejo do inseto-vetor de forma integrada e regionalizada. Para isso, recomenda-se a eliminação de milhos voluntários (também conhecidos como tigueras) durante a entressafra. Essas plantas funcionam como reservatório tanto para os patógenos quanto para a cigarrinha-do-milho. Recomenda-se também evitar semear o milho ao lado de lavouras com plantas em adiantado estágio de desenvolvimento, principalmente se estas estiverem com muitas plantas com sintomas de enfezamentos, uma vez que as cigarrinhas tendem a migrar do milho mais velho para o novo cultivo. Além disso, é aconselhável também sincronizar a semeadura de milho na região, determinando uma janela de semeadura. Essa medida visa “diluir” a população de cigarrinhas na região, por meio da redução do período em que o milho se encontra disponível para esses insetos, principalmente na fase mais crítica. Verificar a tolerância genética dos híbridos aos enfezamentos para a região, visto que um híbrido pode manifestar sintomas apenas em sua fase final e, ainda assim, resultar numa produção adequada, o que configura tolerância à doença. Utilizar sementes tratadas com inseticidas sistêmicos (neonicotinoides), utilizando produtos e doses recomendados para o controle da cigarrinha-do-milho. Monitorar a presença do inseto na lavoura e aplicar inseticidas registrados para a cultura, conforme recomendações técnicas do fabricante, visando reduzir a população dos insetos e os consequentes danos ocasionados pelos enfezamentos. Evitar perdas na colheita e no transporte, diminuindo a possibilidade de plantas voluntárias a partir de sementes perdidas.

Em Santa Catarina, nas regiões Oeste, Central e do Planalto Norte do Estado, em especial na safra 2020/21, tem-se observado um aumento na incidência de cigarrinha-do-milho e do complexo de enfezamentos. Há relatos de danos intensos, perdas totais de produção e de, inclusive, remoção da lavoura. A amplitude dos prejuízos depende do material cultivado, intensidade e severidade das infecções. Devido à diferenças de tolerância entre os híbridos, a incidência e severidade dos enfezamentos é bastante variada, com danos regionais maiores em locais onde predomina o cultivo de genótipos suscetíveis. Estima-se que, os danos na “safrinha” de 2021, que é conduzida no primeiro semestre do ano, possam ainda ser bastante consideráveis, visto que há o potencial de cigarrinhas infectivas migrarem de cultivos da safra para os novos plantios.

A Epagri reafirma seu compromisso de atuar na pesquisa agropecuária e extensão rural, em consonância com o segmento produtivo   do   milho   em   Santa Catarina, visando a redução do impacto da cigarrinha-do-milho e do complexo de enfezamentos, por meio   do   desenvolvimento   e   difusão   de   tecnologias   para o manejo, adequados às condições catarinenses e fundamentadas nas boas práticas agrícolas

Chapecó, 1º de fevereiro de 2021

Maria Cristina Canale Pesquisadora – Fitopatologia Epagri/CEPAF
Leandro do Prado Ribeiro Pesquisador – Entomologia Epagri/CEPAF
Rodolfo Vargas Castilhos Pesquisador – Entomologia Epagri/CEPAF
Eduardo Briese Neujahr Extensionista
João Américo Wordell Filho Pesquisador – Fitopatologia Epagri/CEPAF